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Os cinco anjos do Éden
por Claudio Oliveira
— Cheia de histórias como é, Vila da Graça também acaba sendo um campo fértil para a proliferação de lendas. Em geral, elas nascem da mistura equilibrada, ou nem tanto, entre o imaginário popular e fatos típicos de cada época ou lugar, que ninguém sabe explicar direito. No caso desta cidadezinha, perdida entre o Norte gaúcho e o Sul catarinense, há certamente uma lenda sobre sua origem, com certeza relacionada ao Morro dos Anjos, como o lugar era conhecido antigamente — começa a contar o guia turístico Pedro Angel, um chileno que veio visitar a cidade um dia e resolveu ficar.
Como uma peça bem encenada, ele sabe muito bem captar a atenção dos visitantes. Neste momento, o jornalista e escritor Ângelo West já sacou da mochila uma caneta e seu bloco de notas, com olhos ávidos, fixos no guia.
— Há uns 20 anos vim para cá para viver isolado, na minha cabana. Não tive como, mas acabei me habituando com as idas e vindas dos turistas pelas trilhas do morro e virei guia. Para isto precisava conhecer muito bem os caminhos da montanha, ou não teria como orientar os visitantes. Por isso, além de buscar toda a informação, fiz diversas caminhadas para demarcar por onde seria mais seguro chegar à parte mais alta deste belo lugar, à Pedra dos Anjos. Hoje, gosto de contar parte do que descobri nesse tempo todo antes de iniciar uma trilha — explicou Pedro.
— Dizem que tudo começou na época da Pangeia, como era chamado o continente existente, formado por um único bloco de terra rodeado de mar por todos os lados. Um pouco antes disso que vou contar, os primeiros pais, Adão e Eva, tinham sido expulsos do Jardim do Éden, preparado para eles pelo Criador. O casal tinha desobedecido a orientação dele sobre o que podiam comer e o que não podiam. Não por falta de aviso, mas por decisão própria, resolveram comer do fruto da Árvore do Conhecimento do Bem e do Mal e se tornaram mortais. Para que não comessem do fruto da Árvore da Vida, que também existia no lugar, e vivessem para sempre nesse estado decaído, o Pai Eterno mandou que um anjo, um querubim, ficasse de guarda. Adão e Eva foram expulsos do Jardim e outros quatro anjos ficaram de guarda, um em cada canto, para impedir que qualquer outro humano fosse habitar lá — segue o guia com sua narrativa, de forma solene.
Madeleine Dubois, a turista francesa que acompanhava o jornalista, já tinha feito aquele passeio anos atrás e por isso ouvia a história com naturalidade. Ângelo nem piscava, de tão atento e impressionado.
— Um belo dia, depois de ter separado a Pangeia em vários continentes e ilhas, o Criador resolveu que tiraria o Jardim do Éden do mapa e o deixaria espalhado pelas novas terras. Então chamou os cinco anjos guardiões para uma conversa sobre o assunto. Disse que cada um deles poderia ficar com um pedaço do Éden e guardá-lo onde achasse mais apropriado. O anjo do Norte escolheu uma terra que na época ficava além dos continentes gelados que conhecemos hoje. O do Leste resolveu levar seu pedaço do jardim para a Europa. O anjo guardião da Árvore da Vida disse que seu pedaço deveria ficar no Céu, junto do Pai, onde estaria mais bem protegido do mundo dos homens. O anjo do Oeste resolveu que algo tão belo como a parte que lhe cabia, deveria ficar onde as pessoas pudessem visitar quando tivessem vontade. Naquele pedaço de chão abençoado encontrariam paz, sossego, descanso, harmonia, ar puro e uma beleza tão grande que iluminaria a alma. Muitos teriam vontade de ficar lá para sempre, levando uma vida melhor. Então, o anjo do Oeste trouxe seu pedaço para cá, neste rincão onde estamos agora. É apenas uma lenda, claro, mas isso explica o motivo desse lugar ser tão belo e inspirador — complementa Pedro, como se fosse o final da história.
Nesse momento em que a narrativa da lenda parecia ter acabado, Ângelo perguntou:
— Ei, para onde o anjo do Sul levou seu pedaço?
Pedro sorveu um mate lentamente enquanto observava as reações dos dois visitantes e explicou:
— Deixei essa parte por último de propósito, porque do meu ponto de vista é a parte mais linda dessa lenda. O anjo do Sul pensou um pouco e decidiu espalhar sua porção do Éden no coração das pessoas. Disse ao Criador que com isso esperava deixar uma centelha viva em cada uma delas, que trouxesse à mente os sentimentos que só existiam no Jardim e as levaria a buscar um lugar, ou um estado de espírito que pudessem chamar de lar. E assim foi e assim é até hoje — finaliza Pedro, com um toque de mistério.
— De fato é uma das mais belas lendas que já ouvi sobre o Éden. Nunca imaginei que alguém contaria algo assim se referindo à existência de algum lugar, mas faz muito sentido. Gostei muito — elogiou Ângelo.
— Também me senti assim na primeira vez que ouvi essa história. Hoje estou renovando aqueles sentimentos — completou Madeleine.
— Bem, este ainda não é o fim da história. Diz a lenda que todas as manhãs e todos os finais de tarde, os cinco anjos se reúnem no pico deste morro. É um encontro de luzes tão brilhantes, que o céu fica iluminado por cores inexistentes em qualquer outro lugar do mundo. Quem quiser conferir, precisa contemplar o sol nascente ou poente nesta terra abençoada — desafia Pedro.
— Além dessa sobre os cinco anjos, Vila da Graça tem muitas outras histórias. Em cada uma delas há um toque do Éden, com toda certeza. Cada uma tem seus elementos, de forma que se a base é apenas uma lenda, não passam de boas histórias, vividas ou não por personagens reais ou fictícios. Acho melhor assim, porque a vida já tem realidade demais para fazer as pessoas sofrerem. A fantasia é um alívio, um refúgio, um mergulho na centelha de Jardim do Éden vivo no coração do ser humano — filosofou o guia.
Adaptado do e-book “Contos de Vila da Graça – Claudio Oliveira – Clube de Autores/2022
This piece was published in 2023 as part of the Around the World in Mormon Literature contest by the Mormon Lit Lab. Sign up for our newsletter for future updates.
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